Engana-se quem pensa que os 70 anos de atividades esportivas do professor Isaac Elias Farath foram dedicados ao basquete, vôlei, handebol e outras modalidades amadoras. Ele também foi craque no futebol de campo, integrando inclusive a Seleção Brasileira Universitária, que em 1950 tinha como treinador o consagrado Leônidas da Silva, o Diamante Negro. Isaac recebeu a reportagem do Diário em sua residência, na rua Carlos Botelho, 785, e abordou algumas passagens de sua vida. Afirmou que o ensino público hoje está defasado e criticou a eterna falta de apoio político ao esporte amador. Falou também sobre seu trabalho no MAC (Marília Atlético Clube) e apontou Antônio Maria Pupo Gimenez como o técnico mais completo que já dirigiu o clube. Pode ser que você já tenho sido aluno desse renomado professor de Educação Física, extremamente humanitário, que completou 84 anos no dia 8 de setembro. Afinal, somente em Marília cerca de 15 mil jovens tiveram, pelo menos, noções básicas sobre a prática esportiva.
Diário de Marília – Onde o senhor nasceu?
Isaac Elias Farath – Em São Sebastião da Grama (SP), em 1924, município próximo de Mococa, quase na divisa com Minas Gerais. A cidade é conhecida como a terra do “café de qualidade”. Também passei parte da minha infância e juventude em São José do Rio Pardo.
Diário – De onde vieram seus pais?
Isaac – Meu pai, Elias Abrão Farath, veio do Líbano e aqui no Brasil casou-se com a italiana Rosina Lobosco Farath. Papai era açougueiro e mamãe sempre foi dona-de-casa. Não me recordo o ano em que ele faleceu. Ela nos deixou em 1961. Meus irmãos Abrão, Guilhermina, Enver, Vicente e Ivone já faleceram. Inês, Tereza, José, Lourdes, Aírton e Nilse residem em outras cidades.
Diário – O senhor deve ter passado a infância praticando muito esporte, não é?
Isaac – Com certeza, e tudo ao ar livre, porque não existiam quadras. Jogava qualquer modalidade, o que talvez tenha sido a razão de me tornar professor e um apaixonado pela Educação Física. Mas também, como minha cidade era cercada por rios, todos os dias era aquela bagunça com a garotada: nadar, remar, escalar montanhas e muitas traquinagens próprias de criança. Uma liberdade saudável e respeitosa.
Diário – Onde começou a estudar?
Isaac – O básico eu fiz no famoso colégio “Euclides da Cunha” em São José do Rio Pardo. Falo famoso porque foi em Rio Pardo que o escritor Euclides da Cunha morou em meados de 1900. Lá ele começou a escrever sua maior obra, “Os Sertões”, construiu a centenária ponte metálica e também foi onde nasceu seu terceiro filho, Manuel Afonso Albertina. Rio Pardo é uma cidade turística chamada de “O berço de Os Sertões”, e até hoje, de 9 a 15 de agosto, é realizada a “Semana Euclidiana”.
Diário – E o curso superior?
Isaac – Naquela época quem desejasse cursar Educação Física só tinha duas opções: a Universidade Federal de São Carlos e a Escola Superior de Educação Física, da USP, onde me formei. Não havia faculdades particulares. Posso garantir que na USP tive os melhores professores de Educação Física do mundo. Recebi sábias lições de vida, sempre procurando ser um bom aluno com meus amigos Deus e Jesus Cristo.
Diário – Por que esse amor exagerado pela profissão?
Isaac – É que a Educação Física é o principal ingrediente na formação das pessoas para a vida. Ela prepara a imaginação, a inteligência, a vontade, a disciplina e a solidariedade em situações difíceis. Em toda essa engrenagem que norteia o nosso cotidiano, você aprende a ganhar sem humilhar o adversário e também a perder sem descontrolar-se. É bom ressaltar que existem bons professores e alunos aplicados, mas existem alunos que precisam ser preparados para enfrentar a luta lá fora, sem esmorecer. Professor de Educação Física foi meu único emprego na vida e me orgulho muito disso. Eu consegui deixar sementes com os poucos recursos que tive para exercer minha atividade. Infelizmente, poucos fizeram isso.
Diário – Como é a Educação Física hoje nas escolas?
Isaac – Evidente que o ensino público hoje não é como antigamente e isso atinge todas as disciplinas básicas dos alunos. No meu tempo, até parece brincadeira, mas a dificuldade que o professor tinha era mandar o aluno de volta para casa. O comparecimento era total. Quando alguém faltava ou chegava atrasado, você tinha a certeza de que alguma coisa mais séria aconteceu. Certa vez um aluno se atrasou eu lhe chamei a atenção. Ele me pediu para olhar suas mãos, que estavam com bolhas de sangue, pois ele era capinador de ruas de café. O que eu quero dizer com isso é o seguinte, ninguém queria perder uma aula. Era tudo levado muito a sério e os jovens realmente aprendiam. Os alunos das famílias mais abastadas só estudavam na escola pública em virtude da qualidade do ensino. A Educação Física hoje praticamente acabou. Muitos professores dão uma bola para os alunos - “joguem aí o que vocês quiserem” - enquanto eles se sentam numa sombra, papeando, e às vezes nem ficam na quadra. E o que você vê na mídia diariamente? Professores sendo agredidos, alunos armados dentro das escolas, homicídios e medo. Vou ter sempre boas recordações do meu tempo de professor, porém, diversos colegas vão ter recordações amargas.
Diário – Muitos de seus alunos se enveredavam na carreira esportiva?
Isaac – Sim, haja vista que só em Marília eu dei aula para 15 mil pessoas. A maior parte foi jogar basquete em grandes clubes brasileiros. Tenho quatro amigos que eram feras no basquete e que felizmente ficaram por aqui e se tornaram bons médicos: Fábio Villaça Guimarães Filho, José Anselmo Doreto, Mário Luiz Furlanetto e Paulo Carvalho, o Paulada.
Diário – É verdade que o senhor foi um dos pioneiros na prática da caminhada em Marília?
Isaac – Bom, até 1974 eu não via ninguém fazendo caminhada na cidade. Depois que o Valdir Bento Félix, o Edson Goiano e eu começamos a andar no bosque, muita gente começou a fazer o mesmo. É uma atividade essencial para o corpo e a mente.
Diário – Antes de abordar sua chegada a Marília, comente um pouco sobre a trajetória no futebol. O senhor foi um ótimo médio-volante?
Isaac – Sou suspeito pra falar, né? Comecei em dois clubes de Rio Pardo, a Associação Atlética Riopardense e o Rio Pardo Futebol Clube. Naquela época se chamava “amador marrom”, ou seja, a gente não era profissional, mas recebia algum dinheiro. Depois atuei no Caconde, Fernandópolis, Cajuru e no Garça, onde pendurei as chuteiras.
Diário – Alguns de seus colegas se projetaram no futebol? E quanto aos técnicos?
Isaac – Sim, porém a memória agora vacila. Mas posso citar o Manuelito, que passou pelo Botafogo, e o Renê, que foi parar no Santos. Fui treinado por verdadeiros bambas, como o Elba de Pádua Lima (Tim), o Jorge Luiz, Piolim, Brito, Florindo e o Mário Miranda Rosa. Todos profissionais do mais alto gabarito.
Diário – Fale sobre sua passagem pelas seleções universitárias.
Isaac – Foi na USP. Primeiramente fui convocado para a Seleção Paulista, depois para a Brasileira, treinada pelo Leônidas da Silva, o Diamante Negro, inventor da “bicicleta”. Disputamos vários campeonatos latino-americanos. A maioria dos atletas era reserva de grandes clubes como o Palmeiras, São Paulo, Corinthians e Santos. Recordo-me do Luizinho, Zé Brás, Diogo e do Cléber.
Diário – Por que largou o futebol?
Isaac – Eu já estava deixando a cidade de Garça, onde morei de 1957 a 1961. Achava que todo mundo entendia sobre futebol, e é assim até hoje. Somos milhões de técnicos. Então mirei o pensamento no basquete, vôlei e handebol. O basquete, por exemplo, é um jogo que exige muita inteligência dos atletas e até do árbitro. Comparo o basquete com a vida. Se você faz um passe bem feito, resulta em outro passe bem feito, até a conversão do lance. Agora, se você faz um passe mal feito, o mal será revertido para os outros e principalmente para você. Por isso devemos sempre procurar acertar o passe, ou seja, fazer o bem.
Diário – Como foi seu jogo de despedida em Garça?
Isaac – Contra o São Bento, de Marília, no clássico regional. Uma grande festa com o estádio lotado. Recebi muitas homenagens. Deu empate sem gols. O São Bento tinha uma seleção, com destaque para o Jurandir de Freitas e o Valtinho. O nosso time não ficava atrás: Agamenon, Irineu, Ricci, Trinca e Plínio. Um esquadrão.
Diário – Após algum tempo se aperfeiçoando no basquete e o senhor veio dar aula em Marília?
Isaac – Sim, depois de ficar alguns anos em Garça, concluí extenso curso de basquete na Universidade Federal de São Carlos, junto com o Nelson Pozzi, o Roberto Furlanetto e o Edson de Almeida. Cheguei a Marília no dia 10 de janeiro de 1961. Ingressei no Instituto de Estadual de Educação “Monsenhor Bicudo” onde lecionei até 1984 (23 anos) e tive como diretores o Nelson Rino, Silvio Guimarães, Branco e Silvia Ribeiro de Carvalho. Também dei aula por 18 anos na Unimar. Aposentei-me em 1988. Formei várias equipes amadoras em toda minha carreira e conquistei inúmeros campeonatos.
Diário – E onde o senhor conheceu sua esposa?
Isaac – Eu sempre fui muito tímido. O Elias, ex-jogador do Mac, tinha uma doceira na rua 9 de Julho, entre a Sampaio Vidal e a 4 de Abril. Era pra ele que eu perguntava sobre uma moça linda que também freqüentava o local. Ele passava a “paquera” pra ela e vice-versa. Concluindo, o Elias foi um cupido nesse relacionamento. Até que em 1974 me casei com Alzira Barboza, meu maior sustentáculo, hoje psicóloga. Temos duas filhas. A Jamille, que é casada, e atualmente cursa Educação Física em Mogi das Cruzes, e a Rosina, atriz, que mora no Rio de Janeiro e que já fez três novelas na Rede Globo.
Diário – O senhor sempre foi uma pessoa muita reservada, avessa a badalações. Por quê?
Isaac – É o estilo de vida de cada um. Penso que para a pessoa mostrar quem é, não precisa ficar saindo em colunas sociais, freqüentar muitas festas, enfim, ter uma vida social ativa. Faça seu trabalho com honestidade e dedicação que toda sociedade vai julgá-lo.
Diário – Como foi trabalhar na preparação física do MAC?
Isaac – Uma grande experiência de vida. Foram mais de dez temporadas com os técnicos Alfredinho Sampaio, Urubatão Calvo Nunes, João Magoga, Walter Zaparolli, Silvio Acácio Silveira, João Avelino, Neuri Cordeiro, Antônio Maria Pupo Gimenez, entre outros.
Diário – Quem foi o melhor?
Isaac – Pupo Gimenez, sem dúvida. O MAC nunca terá outro igual a ele. Era estrategista e calculista.
Diário – O senhor não perde um jogo do MAC. O que fazer para ele não ser rebaixado?
Isaac – O atual plantel precisa ser mais trabalhado. É necessário que os jogadores resolvam as ações técnicas e táticas com inteligência e tenham uma finalização mais certeira. Não se pode usar a força sem precisão. Você só vê o cara dando chutão e a bola passando longe do gol. Esse fundamento precisa ser intensificado.
Diário – E o que mais?
Isaac – O técnico precisa adquirir uma filosofia de vida e de futebol diferenciada. Precisa conhecer o jogador que tem. Não apenas o que ele produz dentro de campo, mas também sua conduta fora dele. Isso o fará render mais. Tome como exemplo o técnico português José Mourinho e os brasileiros Wanderley Luxemburgo, Felipe Scolari e Emerson Leão. Eles acompanham com rigor a evolução do futebol, que trocou a técnica pela força física. Eles estudam a fundo o jogador, sua família, emoção, timidez e outros comportamentos. Quando vão disputar um campeonato eles já sabem tudo sobre os atletas dos outros times, o peso, altura, velocidade e outros atributos. Então executam um bom planejamento. Seus preparadores físicos devem carregar no bolso o livro “Fisiologia do Esforço”, de Jurgen Stegemann.
Diário - Sobre o esporte amador, Marília ainda disputa os Jogos Regionais e Abertos sempre contratando atletas de fora a peso de ouro. O que senhor pensa sobre isso?
Isaac – Acho um absurdo. Aliás, o esporte em Marília nunca teve o devido apoio. Deveria ser efetuado um projeto a longo prazo apenas com gente da cidade. A Prefeitura precisa construir praças esportivas em todos os bairros e contratar técnicos especializados, preparadores físicos, médicos e até nutricionistas para desenvolver um trabalho sério e que realmente dê frutos. Quando o atleta atingir uma certa idade, deve receber bolsa de estudo e todo tipo de assistência para que continue defendendo as cores de Marília.
Diário - Quer deixar alguma mensagem?
Isaac – No âmbito esportivo, usando uma força de expressão, gostaria que os quintais de todas as residências de Marília se transformassem, literalmente, numa praça esportiva. No mais, só tenho que agradecer a essa cidade que me acolhe há 47 anos e na qual eu sou muito feliz.
Nota do jornalista – Isaac Elias Farath, apesar dos muitos anos de trabalho em que destacou Marília no cenário esportivo nacional, só recebeu uma homenagem até hoje: a menção “4 de Abril” do clube rotário homônimo, em 1998. É mais um entrevistado da coluna “Minha Cidade, Minha Vida” que foi olvidado pela Câmara Municipal de Marília.
FRASES DO MESTRE
“A Educação Física prepara o jovem para a vida”
“Os ricos antigamente só estudavam em escola pública”
“O basquete requer muita inteligência”
“Gimenez foi o melhor técnico que o Mac já teve”
“Faça a coisa certa que a sociedade vai julgá-lo”
“A Prefeitura precisa investir no esporte amador”
Jornalista Vadinho Doreto – Entrevista publicada no dia 02/11/208 no jornal Diário de Marília
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