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MARIA ALTA, A BENZEDEIRA

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MARIA ALTA, UMA VIDA DE ENTREGA AO PRÓXIMO

 

 

João Mário Matheus, então com 34 anos, estava no auge do desespero. Um acidente de carro, no interior da Bahia, havia inutilizado a rótula do seu joelho direito. Após quatro meses de cama e algumas cirurgias, o quadro clínico era comprometedor. Até que veio o fatídico diagnóstico: dentro de três dias seria transferido para a capital, Salvador, onde a perna seria amputada. Ele não pensou duas vezes. Telefonou para a mãe, em São Paulo, pediu para ela ir até a cidade de Marília, procurar por uma senhora chamada Maria Alta e contar seu caso. E de Marília a mãe lhe passou uma receita, recomendando-lhe muita concentração e prece, das 14h às 15h, um dia antes daquele momento agônico. Quando deu entrada no hospital, o chefe da equipe médica, ao retirar as faixas daquela perna condenada, quedou-se. O joelho estava seco, a coloração rósea e os drenos soltos. João Mário, hoje com 50 anos, locomove-se normalmente. Milagre? Esse é mais um caso extraordinário, entre outros que se tem conhecimento em Marília, complexo demais para buscar explicações nas leis da natureza. Mas tem alguém com discernimento para esclarecer esse tipo de ocorrência. Afinal, são 75 anos amenizando gratuitamente o sofrimento das pessoas. Trata-se de Maria José de Souza Pinto, a “Dona Maria Alta”, que no dia 8 de agosto completou 92 anos. Ela realiza benzimentos (ou benzeduras) diariamente, participa de reuniões mediúnicas, tudo nos aposentos de sua modesta residência, talvez um dos endereços mais visitados da cidade: a rua Independência, número 500. 

 

Em síntese, é possível afirmar que o benzimento (tornar Bento ou Santo) foi influenciado por várias culturas, consequentemente, não está ligado a nenhuma religião. Ganhou corpo no Brasil com a lufada imigratória, no período de colonização. A história relata que os índios já se utilizavam de um ritual de cura, envolto em orações. A prática do benzimento se estendeu principalmente entre o povo humilde, em locais inacessíveis para um profissional da medicina. Há quem afirme que o benzedor está desaparecendo. Mas é possível encontrar até cursos para se capacitar uma pessoa nessa técnica. Num deles, o professor Jorge Scritori  esclarece: “O benzimento acontece no conjunto de rezas, na formulação de garrafadas, seja de proteção ou de dosagem. Existem benzimentos para proteção de casas, crianças, animais de estimação, plantas, proteção do corpo e de espírito. O bom Bento, ou seja, aquele que realiza a bênção, torna-se uma ferramenta prática de auxílio ao próximo e a ele mesmo. Para ele não existe hora e nem lugar, não importa o dia e nem a Lua, o que importa é a força usada na expressão e aplicação do verbo, pois benzer é fazer um jogo de palavras com poder de ação no etéreo (celestial) e no físico. Conhece-se a técnica dentro de uma tradição, na qual quem sabe e foi preparado para isso, ensina a quem necessita, independentemente de crença e religião”.

 

O método do benzimento é variado. Geralmente usam-se as mãos, porém, pode ser realizado com cruzes de madeira, legumes, frutas, facas e outros objetos, pois a finalidade é sempre a mesma, dissipar mau-olhado e inconvenientes físicos rotineiros, como dor-de-cabeça, mal-estar, enfermidades cutâneas, entre outros. Nos dois dias em que a reportagem do Diário esteve na residência de Maria Alta, constatou grande movimento de pessoas em busca de auxílio e proteção. Ela começa a atender o público por volta das 9h, e até às 20h, pelo menos 40 pessoas já foram benzidas. O rito é simples. Com o dom da clarividência descoberto com apenas 7 anos de idade, Maria Alta pede que a pessoa sente-se à sua frente, coloque as mãos sobre os joelhos e feche os olhos. Então ela reza uma Prece de Cáritas, Pai Nosso e o Credo, num desfecho com palavras de incentivo, fé, saúde, paz e esperança. Foi assim com o garoto Felipe, levado pelo pai Tiago Brandão, em companhia da prima Ellen e da tia Margareth. Os familiares disseram que frequentemente o menino recebe uma bênção de Maria Alta para que cresça com saúde e muita paz espiritual. Logo em seguida surgiu o autônomo Antônio José Faria, com sérios problemas circulatórios nas pernas e erisipela bolhosa visível. Recebeu um benzimento pela terceira vez e deixou a casa animado, pois a doença já apresentava uma melhora acentuada.

 

Mas às quartas e sextas-feiras, das 14h às 15h, é que a casa de Maria Alta chega a receber até 80 pessoas, que se acomodam inclusive nos quartos, cozinha e banheiro para acompanhar a sessão espírita. A vizinhança se acostumou. Elyr Souza Simões reside na rua Independência, 490 e há 50 anos é amiga de Maria Alta. “É uma satisfação ser vizinha de uma pessoa tão boa, tão, pura e que a vida toda só praticou o bem”. A reunião espírita é presidida pelo médium Jorge José dos Santos, o Jorjão, conhecido gastrônomo mariliense. Nesses encontros, os médiuns comunicam-se com os espíritos na busca de soluções para os problemas do ser humano. Conforme o Livro dos Médiuns, toda pessoa que sente a influência dos Espíritos, em qualquer grau de intensidade, tem essa faculdade,que é  inerente ao homem. Por isso mesmo não constitui privilégio e são raras as pessoas que não a possuem pelo menos em estado rudimentar. Pode-se dizer, pois, que todos são, em parte, médiuns. Usualmente, porém, essa qualificação se aplica somente aos que possuem uma faculdade mediúnica bem caracterizada, que se traduz por efeitos patentes de certa intensidade, o que depende de uma organização mais ou menos sensitiva. Essa faculdade não se revela em todos da mesma maneira. Os médiuns têm, geralmente, aptidão especial para esta ou aquela ordem de fenômenos, o que os divide em tantas variedades quantas são as espécies de manifestações. As principais são os médiuns de efeitos físicos, sensitivos ou impressionáveis, auditivos, falantes, videntes, sonâmbulos, curadores, peneumatágrafos, escreventes ou psicógrafos.

 

O ex-funcionário público Delmiro Zumiotti afirma que foi “ressuscitado” em uma dessas sessões espíritas na casa de Maria Alta. Em janeiro de 2005 médicos locais não conseguiam descobrir sua enfermidade – falta de ar contínua -, diagnosticando-a como “estresse elevado”. Até que foi internado e entrou em coma. Na época, segundo ele, a Santa Casa não dispunha de equipamento de oxigenação adequado para o referido tratamento, em virtude de sua avantajada compleição física. Seu estado era gravíssimo, praticamente irreversível. Um irmão que é médico em São Paulo conseguiu transferi-lo de avião para o Hospital Sírio-Libanês, onde foi constatada pneumonia dupla. Zumiotti diz que enquanto era cuidado pelos profissionais da Medicina, aqui em Marília ele era auxiliado espiritualmente através das sessões na residência de Maria Alta. “Por dois dias fiquei inconsciente, apenas me lembro que mantive um diálogo com o médico mariliense Reinaldo Machado, que me pediu calma, porque ele e sua equipe estavam me assistindo”. Desse episódio, ele não gosta de lembrar que à época o vereador José Carlos Albuquerque já havia protocolado na Câmara requerimento de “votos de pesar” e que o então responsável pelo cemitério, José Roberto, já havia ordenado a abertura da sua cova.

 

 

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Diário de Marília – Fale um pouco sobre sua vida.

Maria “Alta” José de Souza Pinto – Bem, eu nasci em Jaboticabal no ano de 1916. Meus pais Benedito Souza e Júlia Rosa de Souza eram sitiantes e eu fui criada na cidade por uma tia chamada Jorgina, com meus irmãos José Geraldo, Benedito, Maria Eugênia e Maria do Carmo.

 

Diário – Como conheceu seu marido?

Maria Alta – Foi em Jaboticabal, aquilo que se pode chamar de amor à primeira vista. O baiano de Bom Jesus da Lapa, João Pereira Pinto, foi falar com minha tia, disse das suas pretensões sérias e ela autorizou o namoro. Eu devia ter 17 para 18 anos.

 

Diário – A juventude se divertia muito naquela época?

Maria Alta – Acho que o tal de footing sempre existiu e em Jaboticabal a aglomeração era na praça. Eu sempre fui muito religiosa e caseira, mas nunca dispensei um golinho de cerveja. Guardo como recordação o caneco da 1ª Festa da Cerveja de Marília.  

 

Diário – E quando a senhora veio para Marília?

Maria Alta – Saí de casa logo após meu casamento, em 1935. Meu marido, que faleceu com 80 anos, em 1978, era um excelente marceneiro e escolheu Marília por causa das conversas de que o progresso estava chegando aqui na região.

 

Diário – E ele arrumou emprego logo?

Maria Alta – Sim, trabalhou durante muitos anos nas ruas Coroados e Campos Sales, prestando serviço para o Frediano Giometti e o Joaquim Simplício.

 

Diário – E os filhos?

Maria Alta – Tive dois. O Edvarde, que já morreu, e era muito conhecido em Marília como Vadão Eletricista. O outro, o Domingos, mora em São Paulo. Tenho sete netos, Rita de Cássia, Ana Paula, Rogério, Adriano, Gerusa, Fernando e Daniel e três bisnetos, Ana Júlia, Tiago e Douglas.

 

Diário – Como surgiu o apelido Maria Alta?

Maria Alta – Ah, é que aqui no bairro morava também outra Maria, só que de estatura baixa. Aí o pessoal para não fazer confusão começou a chamá-la de Maria Baixa e eu, com 1,80 m, era chamada de Maria Alta.

 

Diário – Alguém a ensinou a benzer as pessoas?

Maria Alta – Não, foi um dom dado por Deus desde que eu era criança.

 

Diário – E quando se iniciou no Espiritismo?

Maria Alta – Aos sete anos já tinha clarividência. Toda criança tem uma certa vidência, vê vultos, como por exemplo, dos avós, dos anjos, porém, não com nitidez. Já o clarividente enxerga tudo com clareza. Em Marília convivi com muitos espíritas, como Manoel Saad, Washington Ricci, Vicente Diniz, Edson Muzzi, “seo” Zizi, Salomão Aukar e outros, participando de inúmeras atividades nos núcleos.

 

Diário – A senhora benze diariamente muitas pessoas. O que mais elas pedem?

Maria Alta – Há uma diversidade de males. Pela oração espiritual procuro eliminá-los. E também receito um chazinho, como de camomila, hortelã, picão, puejo (tosse) e jambolão (diabetes, prisão de ventre, gastrite e nervosismo). Para cada problema há um chá específico. Também abençôo muitas crianças. No passado era muito comum os médicos mandarem aqui crianças com raquitismo, uma doença óssea da fase do crescimento. A gente sempre conseguiu a graça. . 

 

Diário – O “trânsito” na sua casa é intenso. A senhora nunca pensou em agendar horário para organizar esse trabalho caridoso?

Maria Alta – Não, porque doença não escolhe hora. Acontece que muitas pessoas vêm aqui quando já estão à beira do abismo. Posso aliviar um sofrimento, mas não posso carregar uma cruz. O povo no geral é muita materialista, é leigo, não sabe a energia que tem. O povo esquece-se de Deus. Ou melhor, só se lembra Dele quando não tem para aonde correr.

 

Diário – Todas as religiões levam o homem a Deus?

Maria Alta – Nenhuma. O que nos leva a Deus é a nossa conduta, ou seja, o nosso comportamento, os nossos atos. Se você for merecedor, vai ter sua graça atendida. A fé remove montanhas, tenha fé e será curado. O Espiritismo é mais uma religião, só que aqui é tudo centrado em caridade, entendeu? Aqui se acende vela para o anjo-da-guarda de quem está vivo, porque quem já morreu não precisa de vela.

 

Diário – Muitos políticos freqüentam a casa da senhora?

Maria Alta – Diversos. Tenho grande prazer em recebê-los por causa dos cargos importantes que ocupam e da sua responsabilidade para com o povo. Na minha atividade o político é uma pessoa como qualquer outra. Todos somos iguais. O Tatá e o Pedro Sola sempre vinham me visitar e pedir proteção. 

 

Diário – Hoje é o Dia da Criança. Que tal uma mensagem?

Maria Alta – Que todas as crianças sejam amparadas para que possam praticar apenas o bem, pois elas representam o futuro de muita paz e esperança. Crianças são anjos, são partes de Deus, que só trazem alegrias.

 

Nota do jornalista: Maria Alta passa o dia em uma simples cadeira na sala de casa. Amigos garantem que há uma falha em seu registro de nascimento e que ela já ultrapassou a marca dos 100 anos. A memória às vezes hesita, mas a lucidez surpreende, sobretudo para uma pessoa que já sofrera três AVCs (acidente vascular cerebral). Nunca cobrou um centavo pelo atendimento e sobrevive com uma módica aposentadoria. Às vezes ganha uma cesta básica que é dividida com alguma família necessitada. Apesar de dedicar toda sua vida em prol do semelhante, nunca teve o reconhecimento da Câmara Municipal de Marília.

 

 

FRASES

 

“Deus me deu um dom quando ainda eu era criança”

 

“Um chazinho de ervas ajuda muito”

 

“O povo, no geral, é muito materialista”

 

“Tenha fé e será curado”

 

“A nossa conduta é que nos leva a Deus, não a religião”

 


 


Entrevista publicada no extinto jornal Diário de Marília, ano de 2008, pelo jornalista VADINHO DORETO.

 

 

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