ANGELINO DORETO CAMPANARI FEZ MUITO POR MARÍLIA
José Carlos Simões (Vienense), Rubens Ramos (Coca), Paulo Ramiro e Angelino Doreto Campanari
O Diário começa hoje série dominical de reportagens relatando a trajetória de pessoas que de alguma forma tiveram influência nos 79 anos de Marília, sobretudo através de atividades profissionais e sociais. E inaugurando a galeria desses cidadãos de integridade moral irretocável, o ex-empresário Angelino Doreto Campanari, 71 anos, retrata o pioneirismo da família, a ascensão e queda de um império no comércio de bebidas, a política local e a filantropia, uma virtude que lhe rendeu diversas homenagens.
João Doreto Campanari, pai de Angelino, chegou a Marília com a esposa Maria Luiza Giglioli em 1928. Ele deixou Lençóis Paulista com os sete irmãos e a soma das economias possibilitou à família adquirir uma área de terra a 15 km ao sul da cidade. Posteriormente, abrindo picadas, a fazenda Formosa tornou-se realidade. Um engenho de aguardente (Santo Antônio) foi construído e até o início da década de 80 produziu uma das melhores cachaças da Brasil. Aliás, esse alambique (agroindústria), foi a primeira empresa da história de Marília a pagar IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Na fazenda nasceram os oito filhos do saudoso casal pioneiro: Alcides, o primogênito, Elvira, Oswaldo, Angelino (26/2/1937), Cecília, Carlos, Darcy e José. Hoje, além dos filhos, a família de João e Maria Luiza reúne 51 netos, 46 bisnetos e 11 trinetos.
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Diário de Marília - Como foi a chegada de seus pais e tios a Marília?
Angelino Doreto Campanari – Foi um sacrifício, pois o trem só ia até Duartina. De lá vieram a pé. Mas não deve ter sido fácil também desbravar toda aquela área que viria a ser a fazenda Formosa. Mas eles, como bons filhos de italianos, venceram.
Diário de Marília – E a infância na fazenda?
Angelino Doreto Campanari – Um privilégio que poucos meninos têm hoje, como apanhar fruta no pé, banho de cachoeira, muita pesca, caçar de atiradeira com pedra de argila, lidar com cavalos, bois, porcos e galinhas, tomar o leite fresco pela manhã, saborear a comida em fogão à lenha, participar das verdadeiras festas juninas, enfim, a liberdade com ar puro, sem a preocupação com a violência e barbaridades que hoje afligem nossas crianças.
Diário – E havia escola nessa zona rural?
Angelino – Sim, todos meus irmãos foram alfabetizados lá. Eu iniciei o colégio na casa de um tio em Florínea, perto de Assis e depois dei sequência em Marília, no Instituto Educacional, Monsenhor Bicudo e Fernando Magalhães, onde concluí o curso de contabilidade. Já com 35 anos, em 1972, formei-me em Administração de Empresas pela Associação de Ensino.
Diário – Foi na escola que o senhor conheceu sua esposa?
Angelino – Não, foi no meu primeiro emprego, com 14 anos, na indústria de bebidas que pertencia ao meu pai e meus tios. É o tal do amor à primeira vista. Dercila e eu nos casamos em 30 de setembro de 1961, na igreja Santa Isabel, com a bênção do padre Emílio e do Monsenhor Geraldo Magela. Temos três filhos, Denize, Ângelo e Cibele, e três netos maravilhosos, Priscila, Lorena e Lucca.
Diário – Onde mais o senhor trabalhou?
Angelino – De 1952 a 1954 fui funcionário da Cooperativa Banco de Marília Ltda e tive como patrão o inesquecível Euclydes Sornas. Depois ingressei no ramo de bebidas onde fiquei até 1996.
Diário – E seus irmãos, que profissão seguiram?
Angelino – Estão todos bem, graças a Deus. Somente o Carlos não mora aqui. É pediatra em Ponta Grossa (PR). O Alcides e a Elvira sempre foram sitiantes. Já a Darcy e a Cecília seguiram a bonita, mas nunca valorizada, carreira do magistério. E o Oswaldo, oftalmologista muito conhecido, ex-vereador e ex-deputado estadual e federal.
Diário – E voltando à sua profissão, quando começou as atividades com a Companhia Brahma?
Angelino – Primeiro comecei com a “Bebidas Cometa”, em 1955. Uma época de muita luta, quando transportei cerveja para Brasília até a sua inauguração. Era muito estafante, pois cada viagem chegava a durar 10 dias em virtude da péssima qualidade das estradas. Mais tarde fiz uma fusão com os irmãos Cavalca. Em seguida surgiu uma sociedade com meu irmão Alcides e então assumimos a bandeira da Brahma, no final dos anos 50.
Diário – Qual marca que o mariliense mais consumia na época?
Angelino – A Antarctica dominava toda a região. É importante ressaltar que realizamos um trabalho notável com a Brahma, que repercute até os dias atuais. Para se ter uma ideia, quando assumimos a empresa, sua fatia no mercado era de apenas 16%. Nós a deixamos com 70% da preferência do público. E em todo esse período o negócio prosperou, porque também respondíamos pelas revendas de Araraquara, Tupã e Campo Grande (MS), gerando mais de 300 empregos diretos. Pertenço a uma safra de empresários que sem nenhum apoio político conseguiu fazer Marília progredir.
Diário – O senhor construiu um império nesse ramo e foi considerado uma das pessoas mais abastadas da cidade. Como esse castelo ruiu?
Angelino – Toda sociedade tem seu risco. Praticamente emprestei meu nome para que a empresa Metaljax fosse fundada, em 1993. Jamais a administrei. Então, um dos sócios, no qual tínhamos toda confiança, não pautou pela conduta correta e a mim restava tapar os rombos. Mas esses rombos acabaram tendo dimensão gigantesca e num certo momento ficou impossível recuperar o prejuízo. Consequentemente, em 1996, a Brahma não renovou nosso contrato.
Diário – Falando agora de política, como foi concorrer à Prefeitura em 1982?
Angelino – Apenas uma experiência que não foi bem-sucedida. Eu e meu vice, o Yoshiro Shimakuro, perdemos o pleito.
Diário – Que análise o senhor faz dos prefeitos que conheceu?
Angelino - Lembro-me do capitão Adorcino de Oliveira Lyrio, que tinha como vice o médico Simão de Andrade Ribeiro. Ele construiu o Paço Municipal e a Câmara, um projeto do engenheiro Badra, que ganhou até prêmio internacional. Também ampliou a adutora de Cascata e calçou as ruas de terra de Marília com paralelepípedos. O Miguel Argolo Ferrão foi prefeito por duas vezes e realizou muitas obras na zona rural, como melhoria das estradas, telefonia dos distritos e saneamento do rio do Peixe.
Diário – E a gestão do Octávio Barreto Prado (Tatá), Armando Biava, Pedro Sola e Theobaldo de Oliveira Lyrio?
Angelino - Cada um teve o seu valor. O Biava construiu a adutora do Rio do Peixe e a vicinal de Avencas. O Tatá conseguiu trazer para Marília em 1970 a sede da 11ª Região Administrativa, englobando 49 municípios, de Taguaí a Parapuã; o Pedro Sola fundou a Fumares e levou o Mac para a maior divisão do futebol paulista. Porém, acho que o Theobaldo foi o prefeito que mais obras executou, como a Nova Marília, a via Expressa Sampaio Vidal, a segunda adutora do Peixe, o saneamento básico em muitas vilas, rodoviária, viadutos do Pombo, Teatro Municipal, entre outras. Vale destacar também o trabalho do Salomão Aukar que investiu pesado no social.
Diário – E os outros prefeitos?
Angelino – As obras de alguns prefeitos encontram-se no Fórum. Prefiro não comentar.
Diário – Se o assunto é futebol, todo brasileiro gosta. Dizem que o senhor era um ponta artilheiro. É verdade?
Angelino – Dava minhas cassetadas. Participei de vários times, principalmente a Juventude Católica, onde joguei por mais de 20 anos.
Diário – E por falar na Juventude Católica, o senhor foi um dos fundadores da entidade?
Angelino - Indicado pelo Monsenhor Luiz Otávio Bicudo de Almeida, fui eleito presidente com apenas 18 anos. Nosso grupo girava em torno de 50 pessoas. Todos trabalhavam duro, organizando eventos, principalmente quermesses, para sustentar a entidade. Mais tarde é que nós fundamos a creche, em prédio próprio, que funciona até hoje desempenhando com êxito a sua finalidade, sendo um dos orgulhos da cidade.
Diário – Pode-se dizer que o senhor foi um ícone da filantropia mariliense. Como era esse trabalho?
Angelino – Está aí um assunto que eu evito comentar. Acho que todo ser humano deve fazer o bem sem ostentação. Pude fazer alguma coisa dentro das possibilidades. A revolta é contra essa corrupção que existe em todas as cidades do Brasil. Você abre a Constituição e lá está escrito que todo cidadão tem direito à moradia, saúde, educação e outros requisitos para uma vida digna. E onde você vê isso? Em um lugar nenhum. O pior de tudo não é prender o safado, mas sim não confiscar seus bens e devolvê-los ao erário. O corrupto é preso, a imprensa faz aquele carnaval, só que depois de um tempo tudo cai no esquecimento. Aí o malandro já saiu da cadeia e vai usufruir do dinheiro ilícito tranquilamente. Mas esse tipo de gente com certeza um dia vai acertar as contas com o Homem lá em cima. Todo esse dinheiro que é desviado já matou muitas crianças de fome e destruiu incontáveis famílias. Sempre é bom lembrar Santo Agostinho de Hipona: "Quem toma bens dos pobres é um assassino da caridade. Quem a eles ajuda, é um virtuoso da justiça".
Diário – Quantas homenagens já recebeu como filantropo?
Angelino - Foram várias. Entretanto, qualquer que seja a natureza delas, deixa-nos muito felizes e nos fortalecem no compromisso com a sociedade. Posso destacar ter sido patrono das chácaras O Circo – 5 Arkos (1983) e Toca da Mina (1990), sócio-fundador do Rotary “Marília de Dirceu”, Passarin de Bronze (1995), muitos preitos dos clubes de serviço e o título de Cidadão Benemérito, outorgado pela Câmara Municipal, que ainda não agendei data para receber.
Diário – Finalize essa entrevista com um perfil da sua vida.
Angelino – Considero-me uma pessoa realizada. É lógico que tive falhas, mas durante esses quase 50 anos como comerciante, sempre procurei agir corretamente. Depois dos tropeços, nunca fiquei pensando no que perdi, porque, caso contrário, corre-se o risco de não ver o que se está ganhando hoje. Tive sempre a coragem de assumir os fracassos para não ser um fracassado a vida inteira. O importante é que tenho uma família espetacular e uma infinidade de amigos. E a amizade aumenta a felicidade e diminui a tristeza, porque, através do amigo, as alegrias são duplicadas e os problemas divididos.
ENTREVISTA PUBLICADA EM 2008 NO JORNAL DIÁRIO DE MARÍLIA – JORNALISTA VADINHO DORETO
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